Sunday, October 29, 2006

Os clubes e o confronto com a sua história

Há clubes que estão destinados a não lutar de forma contínua por lugares cimeiros. Esta é a minha opinião sobre alguns grémios que por alguns momentos áureos que tenham, acabam sempre por cair no engodo do meio da tabela. A explicação para isto poderá estar nas raízes dos próprios clubes, nas exigências/conformismos dos seus associados ou simplesmente na falta de uma cultura de continuidade. Vamos a exemplos:

- Boavista FC: considerado por muitos como o 4º grande português, ousou quebrar o domínio dos 3 grandes nos tempos modernos do futebol, conquistando um título em 2001 que nos fez pensar que um outro clube conseguiria intrometer-se na típica luta entre Porto, Benfica e Sporting. Contudo, e como mais tarde se percebeu (por razões não totalmente claras), o clube do Porto acabou por não dar continuidade a um ciclo de 5 anos em que ganhou o campeonato e ficou por 2 vezes em 2º lugar. Um ano menos bom na classificação acabou por ser o tónico para tempos mais modestos, nos quais o Boavista parte habitualmente com a ambição de lutar pelos lugares para a taça UEFA. Será este o verdadeiro objectivo de um clube que opta por crescer lentamente ou será que o convívio com os 3 grandes é demasiado pesado para este clube? Seja como fôr, os sócios do clube ilustram bem a (des)ilusão pelo clube, pois preenchiam o estádio quando o Boavistão brilhava na Liga dos Campeões tal como hoje se mostram mais caseiros, preferindo ver o jogo nas suas casas.

- SS Lazio: Falar da Lazio é falar num dos clubes com adeptos mais fervorosos do futebol europeu e também num dos clubes que maior desilusão cria. Se bem que o Inter de Milão actual poderia caber também neste contexto, a Lazio é um clube centenário que conta 64 participações na Serie A e que apenas tem para se orgulhar 2 títulos nacionais... muito pouco para um clube que a Europa aprendeu a respeitar, muito por fruto da sua capacidade para adquirir grandes jogadores.

- FC Metz: 3º clube com mais presenças na Ligue 1 (56), o Metz não possui qualquer título no principal escalão do futebol francês, sendo o seu maior feito um 2º lugar. Assim, o Metz parece ser um clube que não consegue crescer mais, estagnado numa posição que o deixa sem soluções ou recursos para progredir. Um caso do futebol que merece ser estudado em maior pormenor.

Estes são apenas alguns exemplos dos muitos clubes europeus habituados à permanência nos maiores escalões dos seus países, mas que por vários motivos, acabam por não conseguirem ir mais além, faltando-lhes dar aquele passo e aquela afirmação competitiva que num panorama tão elitizado como o do futebol europeu actual, vai fazendo cada vez mais falta.

Saturday, October 14, 2006

Ainda o Mundial

Como última grande competição internacional, o Mundial de 2006 continua a ser fonte de inspiração para aqueles que se interessam por algo mais do que por um simples jogo de futebol. Assim deixo aqui, além da minha estreia como "cronista", uma referência a quatro selecções que não as tradicionais candidatas ao ceptro, não me esquecendo de enviar um grande gesto de apreço aos outros intervenientes deste "Crónicas da Bola".

Uma selecção que, após a fragmentação da ex-Jugoslávia, continua a criar grandes expectativas nos seus adeptos é a Croácia. Para mim foi uma lição de táctica observar esta selecção a jogar nos relvados da Alemanha.
Esquematizada, pelo seu seleccionador Zlatko Kranjcar, num aparente 4x4x2, em campo o onze ganha uma dimensão mais de um 3x5x2 ou 3x4x3 do que uma clássica defesa a quatro. Com Pletikosa na baliza, a equipa seria composta, no papel, por Simic, Robert Kovac, Tudor e Simunic na defesa, no meio-campo actuariam Srna e Babic nos flancos e Niko Kovac e Niko Kranjcar no miolo, com a frente de ataque entregue a Prso, mais fixo, e Klasnic ou Olic mais soltos. Porém, consoantes as diferentes circunstâncias de jogo, a equipa exibia diferenças. Nas alas, Srna e Babic soltavam-se, fazendo todo o flanco, sendo a defesa composta por Simic, R. Kovac e Simunic, enquanto que Tudor se adiantava, jogando como trinco à frente dos centrais, protegendo ao mesmo tempo a defesa a 3 e os mais criativos N. Kovac e Kranjcar. Uma beleza para os olhos.

Da América do Sul surgiu uma selecção que foi capaz de deixar de fora a Colômbia, o Chile ou o Peru do Mundial: o Equador. Rapidamente se percebeu porquê.
Esquematizada num 4x4x2, o Equador jogou (e joga) numa mistura da bela técnica sul-americana, adquirida nas ruas, e de força, raça e picardia que talvez façam da sua selecção a mais fisicamente potente da América do Sul.
Dela se destacaram os experientes pilares defensivos De la Cruz, lateral-direito do Aston Villa, e o "eterno" capitão Ivan Hurtado. No meio-campo, Edwin Tenorio e Luis Valencia pegam na equipa e levam-na a concentrar-se a defender sem bola e a esticar-se a atacar. No ataque a dupla Tenorio-Delgado põe a cabeça em água a qualquer defesa, quer pela pujança física quer pelo bom entendimento entre ambos.

A única selecção africana a passar da fase de grupos do Mundial 2006 foi o Gana.
Esquematizada num 4x1x3x2, a sua continuidade deveu-se sobretudo seu possante meio-campo. Os monstros físicos Appiah, Muntari e Essien, perfeitos a ocupar os espaços a defender e a atacar, sempre em movimento durante 90 minutos. Atrás deles uma defesa que se tornou sólida após a saída do onze do seu jogador mais conceituado, Samuel Kuffour, e a entrada do jovem gigante Mensah; entre a defesa e o meio-campo, colando as linhas num trabalho discreto, está Addo. No ataque, o veloz e oportuno Gyan Asamoah , e o todo-terreno Amoah.
Uma equipa que deixou saudades após o seu afastamento contra o Brasil, "por culpa" do castigado Essien.

Para finalizar, a equipa que foi afastada do Mundial sem sofrer golos: a Suiça.
Esquematizada em 4x5x1 ou 4x4x2 consoante a opção recaísse sobre o médio ofensivo Gygax ou o possante ponta-de-lança Streller para acompanhar Alexander Frei, exímio nas desmarcações e no aproveitamento das poucas oportunidades que a equipa consegue construir para si. Com Zuberbühler na baliza, o eixo da defesa era composto por Senderos e Müller (que se viria a lesionar sendo substituído por Djourou), com Magnin e Degen nas laterais, ambos com grande vocação ofensiva e certeza nas transições defesa-ataque-defesa. No meio-campo Vogel e Wicky, apesar de algo lentos, eram exímios na recuperação de bola e na ocupação dos espaços, sobretudo nas faixas devido à mentalidade ofensiva de Degen e Magnin; Cabanas e, sobretudo a revelação suiça Barnetta (grande pulmão e disponibilidade para tanto atacar como defender!), rompiam, tentando a assistência para Frei ou o remate.
A bela Suiça acabaria por ser afastada da competição nos "penalties" pela Ucrânia de Shevchenko, após 0-0 em 120 minutos de jogo.

Wednesday, October 11, 2006

O futebol quando nasce, é para todos

«Futebol se joga no estádio?
Futebol se joga na praia,
futebol se joga na rua,
futebol se joga na alma.
A bola é a mesma: forma sacra
para craques e pernas-de-pau.
Mesma volúpia de chutar
na delirante copa-mundo
ou no árido espaço do morro.»

Carlos Drummond de Andrade

Monday, October 09, 2006

Espanha: o porquê da hecatombe

Antes de mais, devo confessar que a selecção espanhola, ao contrário da portuguesa, brasileira ou inglesa, nunca me tirou o sono. Habituada a estar envolvida nas fases finais de Europeus e Mundiais, o seleccionado espanhol raramente causa impacto, acabando por trair as altas expectativas que os seus seguidores nutrem. Tentarei de seguida explicar o porquê da desilusão espanhola:

Por um lado, há a referir que na história da selecção espanhola encontra-se apenas um campeonato europeu, conquistado no longínquo ano de 1964. Em termos de Mundiais, o melhor conseguido foi um 4º lugar no ainda mais distante ano de 1950. Muito pouco para quem ostenta clubes de grande sucesso europeu como o Real Madrid, o Barcelona e o Valência, somando estes dezenas de troféus europeus e mundiais entre si.

Por outro lado, importa dizer que raros são os jogadores titulares da selecção espanhola que são fulcrais nas suas respectivas equipas. Fernando Torres no Atlético de Madrid, Raúl e Casillas no Real Madrid e Puyol no Barcelona são algumas excepções. Há pois um défice de competitividade da selecção espanhola à partida e em relação a outros países como Portugal, por exemplo, onde Cristiano Ronaldo, Petit, Ricardo Carvalho, Simão ou Deco são importantíssimos na manobra dos seus clubes. Ao contrário, Sérgio Ramos, Puerta, Luis Garcia, Angulo ou Iniesta são vistos como meras opções pelos seus clubes, sendo que, no meu ponto de vista, seriam facilmente colmatados por outros jogadores. Esses outros jogadores encontram-se na sua maior parte, nas grandes selecções jovens de Espanha, mas contrariamente ao que se passa noutros países, a aposta nestes jovens não é clara. Só assim se explica que a recém campeã selecção de sub-19 não ponha nenhum jogador no lote dos convocados da selecção principal, chegando ao ponto de uma das maiores referências dessa selecção - Mata - jogar na 2ª divisão espanhola. Este salto qualitativo é algo que falta fazer em Espanha e que explica o fracasso dos jogadores espanhóis entre os 21 e os 25 anos. Claro que há excepções nesse salto qualitativo, mas essas são raras e proporcionadas por manobras políticas de promoção clubística (Torres e Raúl são exemplos disso, muito para irritar os rivais) ou por clubes estrangeiros que apostam na matéria-prima espanhola (Reyes e Cesc).

Assim, temos na selecção espanhola uma clara ruptura entre os grandes jogadores e os jogadores medianos, sendo que a forma dos grandes jogadores influencia claramente a performance da equipa, incapaz de viver à custa das segundas opções. Contudo, o problema não é de hoje e um olhar para o passado ajuda-nos a observar que Espanha nunca teve um real conjunto de grandes jogadores, mas quase sempre algumas estrelas combinadas com jogadores razoáveis que nunca conseguiram provar com o seu trabalho as chamadas à principal selecção espanhola.

Finalmente e como atenuante, mais que todas as outras seleçcões, a Espanha pode queixar-se das arbitragens em fases finais dos Mundiais. Em 1994, Luis Enrique foi claramente agredido por um jogador italiano e nada foi apitado. A história do jogo seria certamente diferente caso o italiano fosse expulso. Em 2002 e frente à Coreia, 2 golos mal anulados que levaram a um debate mais aceso das novas tecnologias, ainda que actualmente não haja qualquer tipo de inovação realmente eficaz.